sábado, 11 de dezembro de 2010

Sobre o amor....

(...)Sais para o trabalho, que é preciso esquecer, afundar
no dia-a-dia, na rotina do dia, tolerar o passar das horas, a conversa
burra, o cafezinho, as notícias do jornal. Edifícios, ruas, avenidas,
lojas cinema, aeroportos, ônibus, carrocinhas de sorvete: o mundo é um
incomensurável amontoado de inutilidades. E de repente o táxi que te
leva por uma rua onde a memória do sonho paira como um perfume. Que
fazer? Desviar-se dessas ruas, ocultar os objetos ou, pelo contrário,
expor-se a tudo, sofrer tudo de uma vez e habituar-se? Mais dia menos
dia toda a lembrança se apaga e te surpreende gargalhando, a vida
vibrando outra vez, nova, na garganta, sem culpa nem desculpa. E chegas a
pensar: quantas manhãs como esta perdi burramente! O amor é uma doença
como outra qualquer.

(Ferreira Gullar. Excerto de Sobre o Amor)